segunda-feira, 21 de julho de 2008

diVagando - excertos

A casa da Rita é no Bairro Alto, a Lisboa dos pequeninos. Fachada azul-cueca, de outro modo não a encontrávamos, agradavelmente perdidas pelas ruelas onde cada porta convida a entrar. Degraus onde só cabe meio pé (embora as vizinhas, de tão adaptadas ao seu habitat de sempre, consigam arranjar espaço para se sentar, em animada conversa vespertina) conduzem ao nosso retiro. E todos os visitantes têm a oportunidade, quase nunca desperdiçada, de contactar bem de perto com o candeeiro da sala, como se estivesse no meio desta, ao invés de se cingir ao centro do tecto. Mas é neste aconchego, que encontramos, finalmente, todo o espaço que faltava.
Somos recebidas com abraços de música, – que sempre caminhou ao nosso lado – o quarto elemento do nosso bem-estar. A música… Quase me atreveria a dizer que é maior do que o amor. Essa, sim, é incondicional, infinita e eterna. É tão completa, tão global, tão perfeita. Preenche-nos e envolve-nos, simultaneamente. Permite-nos cantar lado a lado com Jeff Buckley, Lane Staley, Freddie Mercury. Porque eles continuam vivos por ela. Vale a pena a vida eterna, nem que seja para ouvir, aprender, criar, viver música. Mas a música não é maior que o amor. Ela consegue é abarcar, como a este, todos os sentimentos, transmitindo-os e mesmo transformando-se neles. Como arte que é.
E ali estávamos as três, ouvindo-nos em silêncio. A liberdade do silêncio confortável. Sem explicações. Os sentimentos são tudo e apenas o que importa. Grande parte das vezes, as acções acabam por ser meras interferências, na transmissão do que sentimos. Num mundo pessimista, em que a máxima «de boas intenções está o inferno cheio» prova a desconfiança geral, eu estou certa de que só as intenções é que contam mas, sendo difícil alcançá-las, o desinteresse humano fica-se pelo resultado, pela aparência. Mas os sentimentos não se vasculham, não se violam. São tão poderosos, que descrevê-los é retirar-lhes valor. Não estão certos nem errados: a mera existência dá-lhes significado. Fora assim com as pessoas, o mundo poderia ser justo.

Marta Tavares, 2000

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